O Bom Selvagem | Verso Cordel

 por: Ivaldo Fernandes

1.
Na era das navegações,
Chegou a nova visão,
Do encontro entre nações,
De índios e da invasão.
O "bom selvagem" surgiu,
No mito que se expandiu.

2.
Cristóvão Colombo escreveu,
Ao descrever tal cenário:
"Um paraíso se deu,
De bondade extraordinário."
Os nativos ele exaltava,
E a Europa já imaginava.

3.
Chamavam-nos de "naturais",
Gente pura, sem maldade.
Distantes dos rituais
De uma civil sociedade.
Uma ideia tão romântica,
De essência quase fantástica.

4.
Bartolomé de Las Casas,
Com relatos tão profundos,
Defendia em suas palavras
Os direitos desses mundos.
Sua voz, de fé e razão,
Foi ecoar pela nação.

5.
Mas outros já justificavam,
Com discursos bem diversos,
As terras que conquistavam
Por mandados controversos.
Nas juntas, reis se reuniam,
E a exploração definiam.

6.
Burgos e Valladolid,
Lá se debatiam os temas:
Guerra, títulos e os limites
Das conquistas em dilemas.
E no meio desse cenário,
O nativo era secundário.

7.
O "bom selvagem", um mito,
Para aliviar consciências,
Foi logo sendo esquisito
Com as novas evidências.
Pois a fábula se quebrava,
E a exploração se notava.

8.
A Europa assim percebia
Que em sua civilização,
Havia mais hipocrisia
Do que verdadeira ação.
Chamavam o selvagem puro,
Mas lhes davam um futuro duro.

9.
Autores de grande renome,
Como Erasmo e Tomás Moro,
Ponderaram sobre o homem,
E os vícios que lhe decoro.
Entre a loucura e utopia,
Debatiam noite e dia.

10.
Rousseau, porém, defendia
A bondade no ser humano,
Que a civilização feria
Com seu progresso insano.
Locke também o acompanhava,
Com fé que o homem melhorava.

11.
Nas ilhas do Pacífico,
Mais um mito renascia:
Os nativos, tão pacíficos,
Com sua vida em harmonia.
Nus e simples, lá viviam,
Sem os males que conheciam.

12.
O conceito se estendeu,
Pelo tempo e pelas eras.
Com histórias que nasceu
Nas florestas e nas feras.
Kaspar Hauser é lembrado,
Como selvagem isolado.

13.
Victor, na França encontrado,
Um menino do mato vinha.
Sua vida foi estudado,
Entre ciência e ladainha.
Essas crianças sem cultura,
Foram vistas como mistura.

14.
Tarzan e o Livro da Selva
Levaram o mito ao cinema.
Na tela, o mito releva
O selvagem como emblema.
Histórias tão populares,
Com ideais exemplares.

15.
Mas o mito sempre esconde
A dura realidade,
Dos povos que o mundo expõe
À ganância e à vaidade.
O "bom selvagem" é lenda,
Que a história às vezes emenda.

16.
Na visão de quem chegou,
A América era encantada.
Mas logo o lucro tomou
A face mais destacada.
Riquezas eram buscadas,
E culturas eram apagadas.

17.
Os povos ditos "puros"
Eram forçados a mudar.
Seu destino, tão obscuro,
Pouco restava a celebrar.
A bondade, tão exaltada,
Foi aos poucos desvirtuada.

18.
Assim a ideia do mito,
Romântica no papel,
Escondeu o mais aflito
Destino de cada céu.
Povos simples, despojados,
Foram explorados e esmagados.

19.
Mas o "bom selvagem" persiste,
No imaginário corrente,
Como um sonho que insiste
De um ser humano inocente.
Sem o peso da ambição,
Vive em paz com a criação.

20.
Entre o mito e a verdade,
A história nos ensina:
Que a busca por liberdade
Nem sempre é tão divina.
O homem, em sua essência,
Carrega sombras e crença.

21.
A ideia de pureza
No homem tão natural,
Serve à nossa fraqueza
E ao ideal cultural.
Mas, na vida concreta,
A história é bem mais direta.

22.
O mito é lição que fica,
Para quem o queira ouvir.
O passado não se explica,
Sem o que se pôde sentir.
Na selva, no mar, na terra,
O humano sonha e erra.

23.
Que o "bom selvagem" inspire,
Não como fuga ou desprezo,
Mas como olhar que aspire
Ao equilíbrio e ao peso.
De culturas convivendo,
E o respeito renascendo.

24.
Pois a ideia do bom selvagem,
Ainda hoje é debatida.
Entre o progresso e a imagem,
De uma vida mais contida.
O mito, embora distante,
Segue vivo e intrigante.

25.
Com essas linhas cordelistas,
Despedimo-nos do tema.
A história é feita de pistas,
E cada verso é um poema.
Que o futuro saiba aprender,
Com o passado a nos dizer.

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