por: ivaldo fernandes
1
Num jardim de primavera,
colorido a reluzir,
voava serena e bela
uma branca a reluzir.
Borboleta delicada,
que encantava o porvir.
2
Era branca como a paz,
como a luz de um arrebol,
como a flor que se desfaz
com a brisa e com o sol.
Parecia até mensagem
do bondoso girassol.
3
Ela vinha toda leve,
voando de flor em flor,
sua dança era um poema
de esperança e de amor.
Cada asa que batia
trazia consigo ardor.
4
O jardim inteiro olhava
com respeito e emoção
aquela que não pousava
sem trazer inspiração.
Era a musa da alvorada
no seu leve furacão.
5
Não havia quem não visse
seu bailado tão gentil.
No sertão ela descia
como gota de anil.
Feito sonho em noite clara
no silêncio mais sutil.
6
Diz o povo da vereda
que ela é sinal de fé.
Quando passa na janela
não se deve pôr o pé.
Pois carrega bons presságios
do sertão até Guiné.
7
Uns diziam: "é encanto!",
outros: "traz sabedoria",
mas a moça do terreiro
viu nela melancolia.
Era um anjo disfarçado
que surgia todo dia.
8
A borboleta branca
não ficava a descansar.
Mesmo tendo pouca vida,
decidiu não reclamar.
Fez de cada breve instante
um motivo pra voar.
9
Sua história é lembrada
na cantiga do sertão,
em cordel, em cantoria,
em viola e violão.
Vira verso, vira reza,
vira pura devoção.
10
Certa vez, caiu do céu
uma chuva de calor,
e ela salvou uma flor
com um gesto protetor.
Foi abrigo temporário
feito santo protetor.
11
Mas um dia sem aviso,
veio o vento do agreste.
Levou folhas, quebrou galhos,
nuvem preta no Nordeste.
E a branquinha resistiu,
mesmo frágil, firme e honeste.
12
Com coragem enfrentou
a tormenta do sertão.
E seu voo iluminava
a mais densa escuridão.
Era luz em forma de asa,
era viva oração.
13
Uma criança doente
viu a branca em seu quintal.
Sorriu pela primeira vez,
se sentiu bem e normal.
Dizem que foi um milagre
de presença celestial.
14
No terreiro da vovó
ela pousou num botão.
Deu sorte pro casamento
que atrasava o coração.
Hoje o noivo tem sorriso
e a noiva um barrigão.
15
Certa tarde no retiro
um poeta viu passar.
Compôs logo cem sonetos
sem sequer se esforçar.
Disse que era inspiração
vinda só de lhe olhar.
16
Mas também houve tristeza
quando ela não voltou.
O jardim ficou sem graça,
a roseira desbotou.
A saudade fez morada
no lugar que ela pousou.
17
Por três dias se buscou
a branca com devoção.
Cada canto foi vasculhado,
foi feita até procissão.
Mas sumira sem aviso
como estrela em procissão.
18
Na manhã do quarto dia,
ela voltou reluzente.
Trazia um pó dourado
nas asas, calmamente.
Tinha ido ao paraíso
conversar com um vivente.
19
Trouxe novas esperanças
pro sertão tão sofredor.
Trazia um beijo do céu
e um perfume de amor.
Borboleta missionária
do divino Criador.
20
Desde então, quando ela passa
todo mundo se aquieta.
Não se grita, não se espanta,
não se mata borboleta.
Principalmente a branquinha
com a graça de poeta.
21
Ela ensina sem palavras,
com presença e com ação,
que viver é ser presente
mesmo em tempo de aflição.
É voar sobre a tristeza
com doçura e compaixão.
22
O cordel que ora lemos
não termina por aqui.
Pois a branca mensageira
continua a emergir.
Num jardim, numa lembrança,
num desenho a se abrir.
23
Ela mora em cada sonho
de criança sonhadora.
Na pintura do artista,
na canção da lavradora.
Borboleta branca e pura,
do sertão a protetora.
24
Se um dia ela pousar
na soleira do teu lar,
deixa a porta escancarada
e começa a meditar.
Pois talvez seja um recado
do céu a te visitar.
25
E assim finda o cordel
com ternura e com encanto.
Borboleta branca e leve,
que consola até o pranto.
Foi-se embora entre as flores,
mas deixou perfume santo.
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